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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Reflexões sobre o Sentido da Vida

Dificilmente paramos para pensar seriamente sobre o sentido da vida. A vida flui independentemente de pensarmos sobre o seu sentido. Poetas, filósofos e escritores vez por outra nos conectam com este sentido, emprestando suas convicções para de certa forma questionar as nossas. Vejamos:

“Quando os enigmas existenciais da vida nos atingem tornam-se não apenas as grandes questões vitais: num sentido mais íntimo, tornam-se a própria vida. Assim, alegria e sofrimento não são apenas sentimentos passageiros, mas passam a ser uma dinâmica que a pessoa deve suportar por toda a vida. Uma das questões existenciais mais proeminentes é: será que essa vida é um sopro passageiro, meramente decorrente da existência física, que voltará ao mundo natural? Ou será que ela (a vida) se relaciona com um mundo espiritual em si, em cujo âmbito possui um significado eterno?” (Rudolf Steiner)

“O desenho de nossas vidas, como a chama da vela, é continuamente conduzido em novas direções por diversos eventos aleatórios que, juntamente com nossas reações a eles, determinam nosso destino. Como resultado, a vida é ao mesmo tempo difícil de prever e difícil de interpretar”. (Leornard Mlodinov)

“A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos.” (Charles Chaplin)

“Aquilo que na vida tem sentido, mesmo sendo qualquer coisa de mínimo, prima sobre algo de grande, porém isento de sentido”. (Carl Gustav Jung)

“Minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tangem e rangem, cordas e harpas, timbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia” (Fernando Pessoa)

“Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar. Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.” (Cora Coralina)

Parece que sempre é assim, a vida continuamente nos faz as perguntas e nós nem sempre respondemos a tempo e a hora. Algumas perguntas carregamos por muito tempo, talvez ainda, algumas poucas ficarão sem respostas. Podemos identificar o nosso desenvolvimento ao longo da jornada como respostas às perguntas que a vida colocou para nós e que conseguimos responder.  Assim, se quiser fazer um pequeno exercício enquanto estiver lendo este texto, vale a pena parar um minuto para refletir sobre as questões abaixo.

O que eu conheço?
Para responder esta questão hoje é preciso voltar no tempo e traçar a linha de seu desenvolvimento cognitivo. Vai descobrir aquilo que aprendeu e que hoje se constitui no seu ‘capital intelectual’ mas que ainda não é toda a sua ‘sabedoria’.

O que eu preciso?
A reflexão levará a encontrar a linha das necessidades e, ao olhar em retrospectiva perceberá o quanto ela se modificou com o passar dos anos. Há um bom tempo relacionava-se muito com as necessidades de ter, talvez hoje, se relacione com as necessidades de ser?

Quem sou eu?
Quem sabe a pergunta mais difícil de responder, que o acompanha durante toda a vida. A reflexão propõe que continuamente você está se renovando e se reconhecendo. A linha de sua identidade é construída e reconstruída no tempo, fruto dos confrontos que vida lhe proporciona diariamente.

O que é importante para você?
O que realmente você valoriza? Aqui também você se defronta com dificuldades para responder. Talvez, boa parte do sentido da vida esteja dentro destes valores. Saber quais são as coisas que mais se valoriza na vida revela a linha da sua essência.

Como se sente a respeito da sua vida?
Reconhecer conscientemente os sentimentos que se expressam nas emoções e que revela o que há de humano em você, indica uma das capacidades distintivas da espécie. Mas é muito comum deixarmos de revelar os verdadeiros sentimentos. A reflexão propicia se conectar com a linha de suas emoções.  A busca pela chamada ‘inteligência emocional’ é um dos principais temas para o desenvolvimento pessoal.

O que é belo para você?
Todo o senso estético aprendido na infância é formador da sua capacidade de apreciar a beleza nas mais diferentes formas que ela se apresenta no mundo. Invariavelmente, na fase adulta este aprendizado conduz a adoção de comportamentos éticos de respeito aos diferentes e desiguais. Esta é a linha da sua ética.

Qual é a coisa certa a fazer?
A escolha que faz e, em retrospectiva, que já fez pela vida revela o que respeita, respeitou e, provavelmente, continuará respeitando? Há grande chance de se confrontar novamente com seus valores básicos, e ao refletir conscientemente sobre eles terá uma boa noção da linha de sua moral.

Como é sua interação?
Ao refletir sobre esta questão quase que de imediato aflora as facilidades ou dificuldades que tem com os relacionamentos com as demais pessoas de seu círculo de contatos. É a linha de seus relacionamentos. Provavelmente, terá boas razões para justificar tanto as dificuldades como as facilidades, mas será que realmente reconhece suas preferências de conduta, em grande parte determinadas pelas suas próprias características de personalidade?

Como é sua energia física?
Qual é a sua disposição física para dar concretude à sua vontade? Em outras palavras sua energia para ação. Ter consciência que depende do magistral instrumento que possuí - o seu corpo biológico (físico e vital) responsável por tudo que você realiza no mundo. Com certeza, a reflexão o levará a linha de sua saúde. Pensar em como vem tratando e respeitando o seu corpo, em suas práticas diárias saudáveis propiciará uma consciência sobre sua qualidade de vida. 

O que é de suprema importância?
Aquilo que transcende que é a própria razão de ser e que permite você conectar-se com o que há de mais divino em você mesmo. Ao refletir sobre a questão ela o encaminhará para a linha de sua ‘espiritualidade’ que, presente em você como uma força suprema, revela o significado de sua existência e ao mesmo tempo lhe propõe ‘insights’ sobre o mistério da vida e da morte.

Se você fez o exercício de reflexão, com certeza percebeu que as perguntas todas lhe remetem a sua própria história de vida. São variados fios se interligando num único fio – o fio da vida.  Pode ser até mesmo que em algum momento anterior já tenha pensado sobre estas perguntas, mas a cada novo momento de reflexão as respostas se mostram diferentes, se modificaram, pois você mudou e o mundo também mudou.  Examine por um momento com uma atenção especial a sua trajetória e veja que teve respostas diferentes para diferentes momentos de sua vida. A constatação é de que a vida é um contínuo processo de mudança.

Você sabe hoje mais do que sabia há dez anos?  Você tem um autoconhecimento sobre quem você é (sua identidade) mais amplo do que quando era adolescente? Os seus valores mudaram desde que você terminou os estudos e entrou no mundo do trabalho? Suas preocupações fundamentais se aprofundaram ao longo dos anos?

Ao examinar sua vida na perspectiva biográfica, com certeza estará respondendo a essas perguntas e, terá uma consciência mais clara do sentido que imprimiu a sua própria existência. 

Falando de consciência, vale a pena aprofundar o entendimento e clarificar o próprio sentido desta palavra.  No seu significado mais geral indica “ter conhecimento de”, mas vamos ampliar este significado. O termo designa muito do que o conhecimento racional, ele envolve também o saber dos sentimentos, que nos permite vivenciar e compreender aspectos de nosso mundo interior. Portanto, estamos falando também do fenômeno da percepção humana, que ativa os sentidos e aciona o sistema valores, que funciona mais ou menos integradamente, indicando o que é moralmente certo ou errado, por conta dos motivos e motivações presentes, produzindo julgamentos tal como um juiz que sentencia acerca das coisas presentes e futuras. Este posicionamento se traduz em atos (comportamentos) que permite a aprovação ou desaprovação das condutas próprias ou de outrem.

A rigor, na perspectiva mais ampla da gênese do ser humano, tomado como ser constituído de corpo físico, corpo vital, corpo anímico e espírito, que ao longo de sua evolução foi desenvolvendo cada uma destas dimensões, a consciência é a dimensão mais recente desta evolução e que, ainda, tem muito a evoluir. Estamos no início da uma nova era – a era da consciência.

Mas voltemos ao nosso tema. O sentido da vida é uma das dimensões que trabalhamos no Programa Auto Gestão de Carreira (programa concebido e conduzido pelo IVC), que tem como um dos seus fundamentos a busca do equilíbrio baseado na ampliação das reflexões sobre os seus sete pilares de sustentação ou dimensões de análise: a identidade, o trabalho, o tempo livre, os relacionamentos, a saúde, as finanças e o já citado, sentido da vida.

Este equilíbrio tão desejado por nós, geralmente como um estado permanente, é ilusório e irreal. Se atentarmos bem, vamos nos dar conta que ele é sempre dinâmico, como dinâmica é a vida sempre nos oferecendo desafios para a mudança. Na perspectiva pessoal, olhando sua própria biografia, identificará esta dinâmica, marcada pelas grandes e pequenas transições.

Acredito que, em grande parte das vezes, as transições de vida são provocadas por fatores externos, geralmente provenientes de mudanças no ambiente em que vivemos, seja ele próximo ou mais distante. A rigor, falar de próximo ou distante no mundo de hoje parece saudosismo. Virtualmente não existe mais distância, carregamos o mundo (os acontecimentos) literalmente em nossas mãos.

Mas não tenho dúvidas, elas, as mudanças, nos impactam e criam desequilíbrios em uma ou mais dimensões que sustentam a integridade e o estado de equilíbrio (ou desequilíbrio) em que vivemos.  De certa forma, só nos damos conta do desequilíbrio quando tomamos consciência da situação de inadequação de nossos comportamentos e, isto se dá, pelas respostas que oferecemos as novas situações – elas já não são mais tão adequadas.  Elas são as nossas reações, geralmente percebidas e apontadas pelos outros, evidenciam as inadequações comportamentais e revelam os nossos paradigmas e preconceitos. Na grande maioria das vezes somos reativos, preso aos velhos hábitos e costumes que criaram uma ‘zona de conforto’, onde agimos e reagimos de forma quase automática, com uma consciência adormecida.

Contudo, penso também, que em determinadas ocasiões não habituais (mais raras em nosso padrão comportamental) provocamos premeditadamente o desequilíbrio. Nestas situações, é a consciência dos acontecimentos e seus possíveis desdobramentos no tempo futuro, que provoca a necessidade de mudanças. Aqui, podemos falar de mudanças planejadas, de adaptação proativa e até mesmo de inovação. É este “saber por antecipação” que haverá desequilíbrio e ele é encarado como necessário, será mesmo bem vindo, pois temos consciência que, somente se rompermos com os padrões anteriores e os velhos hábitos, é que poderemos estar prontos para o novo e o inusitado.

Mas tudo tem o seu preço. Viver este período de incerteza ou de inadequação, independentemente da origem que nos levou a ele é sempre uma experiência difícil e por vezes dolorosa, pois nos confrontamos com os nossos maiores medos e temores. Mas, como diz o ditado popular “a vida contínua” e, precisamos de uma forma ou de outra ‘continuar a viver’.

Acredito e sinto que é a força proveniente de um novo estado sonhado ou idealizado que traz a coragem para enfrentar estes períodos de transições que passamos em nossas vidas. Estou convicto que as maiores disposições para realizar a mudança pessoal vêm do futuro. Sempre é lá que estão os sonhos, é de lá, do futuro, que vem também a maior e melhor parte dos motivos e motivações para agir, em outras palavras para mudar.

Olhe para a sua biografia e em retrospectiva identifique estas transições. Reflita e busque encontrar as inadequações, os medos, enfim aquilo que de certa forma ‘travou você’. Mas, busque também as forças que te mobilizaram, que despertou a sua coragem para agir de forma diferente e que o levou a superar os velhos hábitos e costumes, enfim que propiciaram a realização das mudanças que o levaram a um novo estado de equilíbrio.

O novo estado se inicia quando começamos a intuir o novo significado para aquela etapa da vida.  Ele trás sentido para as nossas futuras ações e, desconfio (até por experiência própria) que este novo significado/sentido começa a ser revelado (vir à consciência) enquanto estamos vivenciando aquele período desconfortável das incertezas. Tenho a convicção que é a força proveniente deste novo estado sonhado ou idealizado que nos traz a coragem para enfrentar os medos e sairmos dos períodos de transições para uma nova fase.

O caminho é revelador. Muitas informações vem à consciência, quando estamos percorrendo a trilha. Não raro, já estamos no caminho quando se revelam os propósitos ou até mesmo a missão da vida. Isto acontece, por exemplo, quando estamos trabalhando com a nossa própria história de vida, via um processo biográfico.

A meu ver o sentido da vida não é algo pronto ou uma linha reta demarcada no nosso destino. Acho mesmo que ele é algo bem mais fluido que se enreda, vez por outra, pelas veredas e desvios para depois, mostrar-se com maior plenitude a consciência. Por vezes, pode ser comparado a um lampejo de luz, que clareia e ilumina o ainda não revelado. Como se diz popularmente é a ‘presença de espírito’ que tivemos e que permitiu fazer as escolhas certas. Elas nos levarão em determinados momentos da vida a um estado pleno, onde tudo parece estar mais belo, muito melhor e mais justo (chamado pelos estudiosos de “estado de fluxo”).

Aqui vale entrar no mérito da palavra sentido. Não vem somente da razão ou da lógica de nosso raciocínio, mas vem também do sentimento e da própria intuição. Em realidade, só temos a noção do próprio sentimento quando ele vem à consciência e, portanto, já foi sentido. Daí surge à possibilidade de ressignificar, isto é, dar um novo significado para a vida. Nós descobrimos ou damos significados para coisas no mundo, quando elas se mostram em ação, a vida faz sentido quando estamos vivendo.

Encontrar ‘o fio condutor’ de nossa vida é um processo sempre renovado pela consciência de nossa identidade, que vai se formando e reformando enquanto vivemos nas diversas dimensões em que a vida se expressa. E, nesta jornada, vamos redescobrindo sentidos e dando significados para nossas ações, numa busca permanente de equilíbrio das três grandes forças que habitam nossa alma - a força do pensar, a força do sentir e a força do querer (agir).


Estar por inteiro na vida é ter consciência da finitude e da eternidade.